Enchentes Rio Grande do Sul 2024

Por Paul Gerhard Kinas – CEO E ESPECIALISTA DA DATENKRAFT

As enchentes ocorridas no RS em maio de 2024, evidenciaram a noção de “eventos extremos” e suas possíveis conexões às mudanças climáticas em nosso planeta. O que se quer dizer ao falar em evento extremo? Estes extremos evidenciam suas causas nas mudanças climáticas? Ambas respostas envolvem conceitos de probabilidade e de estatística. Tentarei ilustrar o porquê.

Um evento é dito “extremo” quando for simultaneamente intenso com pouco provável. Em análise de riscos trabalha-se com conceitos como “enchente dos 100 anos”, para indicar níveis de inundação extrema com frequência de uma por século. São fenômenos raros, porque sua ocorrência depende da ação simultânea de muitos fatores. No exemplo gaúcho recente, foi a combinação de fatores como uma zona de alta pressão estacionada sobre o Brasil central barrando o avanço de frentes frias além do RS e correntes de ar úmidas vindas da Bacia Amazônica turbinadas pelo fenômeno do El Niño. Essa combinação desfavorável de fatores resultou em precipitação muito intensa e concentrada em curtíssimo período de tempo. Tudo agravado pela geografia das bacias hidrográficas, ocupação urbana descuidada e sucateamento de muros de contenção, comportas e casas de bombas hidráulicas.

Mas, se a conjugação dos fatores é possível mesmo que rara, de onde vem  a desconfiança de que mudanças climáticas possam estar atuando? Os modelos climatológicos indicam que, embora estes efeitos sobre fenômenos isolados possam ser sutis, eles acabariam se manifestando no  aumento da intensidade e da frequência de eventos extremos. Isto é, as mudanças climáticas atuariam sobre a probabilidade de ocorrência de inundações extremas.

Vamos ilustrar o argumento de modo simplificado. Supomos haver apenas dois fatores atuando e representados por dois dados honestos. Fazemos o lançamento simultâneo deste par de dados. A soma das faces dos dois dados, uma vez lançados, será no máximo 6 + 6 = 12. Imaginemos que a soma 12 representa uma inundação extrema que somente acontece quando os dois dados apresentam esta soma.  Qualquer outra combinação (p. ex. 5 + 6 = 11) seria preocupante, mas ainda sem a gravidade extrema caracterizada pela soma 12. Como há 36 combinações possíveis das faces dos dados, e como apenas uma delas resulta na soma 12, este evento tem probabilidade 1/36 (algo como, uma vez a cada 36 anos). 

Entra agora o fenômeno da mudança climática. Imaginemos que este fenômeno significa uma mutação da face 6 em um dos dados para uma face 7; isto é, surgiria um pontinho adicional no dado. Voltando ao exercício mental do parágrafo acima, verificamos que agora o lançamento dos dois dados pode resultar em  5 + 7 = 12 ou 6 + 7 =  13. Ou seja, a chance de observar um evento extremo agora dobrou; passando para 2/36 (algo como uma vez a cada 18 anos). Para piorar, surgiu a possibilidade de que um desses eventos extremos seja ainda mais intenso e igual à soma 13. Algo que,  originalmente, seria considerado impossível. Pode-se continuar este exercício incluindo mutação também no segundo dado. Fica fácil entender agora como um fenômeno que causa pouca mudança em dados individuais, pode no conjunto dos possíveis lançamentos, causar aumento da intensidade e da frequência de fenômenos extremos.

Fica então a pergunta final: será que a inundação vivida pelos gaúchos em maio de 2024 é prova das mudanças climáticas? As evidências trazidas nos dados históricos indicam que as inundações de altas proporções das quais há registros ocorreram, uma em 1941 e outras duas nos últimos 9 meses; tendo a mais recente superado em intensidade a enchente de 1941. Se nada houvesse mudado na climatologia planetária, não se esperaria observar dados com a intensidade e frequência como foram vistos. Concluímos que o efeito das mudanças climáticas passa a ser uma explicação plausível. É dessa forma que a lógica argumentativa funciona em estatística. Há incertezas não resolvidas? Certamente sim. Possivelmente sempre haverá.

Finalmente, destacando que, sob incerteza, a ação racional na construção de ações mitigatórias deve se orientar pelo “princípio da precaução” e nunca jamais pela negação do problema. O princípio da precaução advoga a ideia de que cuidados eventualmente excessivos, não prejudicam. Já o descaso, no seu extremo, mata.

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